quinta-feira, 1 de maio de 2014

Pra voce...

Mesmo que eu pisque os olhos na velocidade exata que me indicam as revistas e me revire de cabeça pra baixo pra tentar caber no seu avesso, você não nota. A gente troca duas ou três palavras, eu puxo assunto, tento levar adiante o papo manjado sobre cães só pra falar que eu tenho um labrador grandão e bonito que você adoraria conhecer...
É engraçado isso porque eu me esforço. Me encaixo ali direitinho no que parece ser seu dossiê e ainda aplico umas técnicas elaboradas que aprendi uma vez num programa tailandês que serve pra trazer um amor em menos de três dias. Mais eficiente que mandinga e eu nem preciso aprender a jogar búzios, é tudo na força de pensamento. Fico ali tentando entrar, não sei se você veste P ou M, mas eu consigo ser grande ou pequena o suficiente pra caber no teu tamanho, viu?
E você não é só um, nem dois, três seria demais, mas a conta já passou disso. Você é todo cara que me olhou nos olhos, pediu desculpa, disse que não ia funcionar e me rejeitou. É todo mundo que já embrulhou umas tristezas no pacote e deixou lá no quarto pra eu levantar com a sensação de que o mundo tava desabando e que eu tava fazendo tudo errado outra vez. Ia passar, sempre passa, bola pra frente, conheci alguém, só mais um, mas vai passar também. O que não passa nunca é a culpa que eu prego na sala como se fosse um Picasso pra enfeitar minhas lembranças doloridas.
Tava vendo no Discovery que a memória afetiva (quase) nunca falha. Ela registra tudo: de sabores a odores adocicados, de primeira música ao perfume que usava pra sair à noite, da mania de enxugar as mãos duas vezes ao descaso com que mexia no cabelo. Ela associa ações e situações a pessoas e isso faz com que algumas coisas nos lembrem bem de alguém justamente por termos vivido algo marcante com aquela pessoa. É isso que a gente chama de recordação, geralmente. Nesse sentido – e falo de forma leiga aqui – a lógica seria clara: a gente não guardaria recordação nenhuma de quem nunca passou pela nossa vida. Mas não é assim que acontece, né?
Além de guardar recordações, tirar da geladeira pro microondas e viver de emoção requentada, eu também me alimento de culpa. Por que eu não consegui te fazer ficar, mesmo nos moldes, mesmo no tamanho, mesmo que se você quisesse era só avisar que eu tentava me trocar na loja. Me culpo porque você não me achou interessante, não me achou bonita, talvez eu estivesse um pouco gorda, eu teria que te agradar em mais o quê? A culpa é minha por não ser seu tipo ou por ser e mesmo assim você não me querer, o que é ainda pior. Pior porque só prova que eu fiz algo de errado pra não atender as tuas expectativas, que eu te frustrei no meio do caminho, que eu não segui a receita pra te conquistar direitinho, deveria ter começado na segunda-feira. Culpa minha, óbvio, e bem feito que eu me sinta destruída sempre que você vai embora e, Doutor, e se eu não pudesse fazer nada? Porque tem umas coisas que fogem do nosso controle e talvez essa seja uma delas. Talvez não importasse o quanto eu me dedicasse, o quanto eu quisesse casar com teus gostos, o quanto eu queria que desse aquele match esperto na vida real, porque isso não depende de mim.
Na verdade, pensando melhor, nada depende exclusivamente da gente. A gente pode tentar oferecer pro outro o nosso mundo e torcer pra que ele queira ficar se a gente se encantar pelo dele também. Não tem manual, dieta de segunda-feira, programa tailandês ou mandinga que traga amor. Essas coisas são tão imprevisíveis quanto a conta do meu cartão de crédito no fim do mês. Mas o processo normal é sentir culpa por não ter sido o amor de alguém, por não ter inspirado o amor de alguém, e isso se torna um ciclo de auto-negação tão grande que nem cabe nesse texto. Culpa vai sendo mastigada, embolora no estômago, se torna martírio e quando for ver, a gente tá por aí achando que não é bom o suficiente pra ninguém só porque entendeu tudo errado nessa coisa de paixão, pessoas, expectativas e sentimentos. Amor não é ciência exata que a gente garante de olhos fechados que 2 + 2 = 4, não tem como “caber” em alguém, não tem como seguir todas as regras pra garantir o sucesso da rota. Isso só gera frustração.
Não foi minha culpa, nem culpa do meu corpo, nem culpa da minha personalidade se o menino da quinta série não quis me dar a mão no recreio. Se o carinha mais velho do colegial preferia ruivas e meu cabelo tingido não mudou nada. Se o alemão não gostava muito de sueca e eu só sabia jogar isso. Então, pensando cá com as minhas dores, cheguei à conclusão de que eu não podia fazer nada e não tinha nada a ser feito. Eu não podia mesmo ter feito você me amar. E agora não me parece tão ruim assim ter que conviver com isso.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

É

Antes de qualquer meia palavra trocada, quero deixar claro uma coisa entre nós: eu não confio em você. E se fosse você, também não teria lá toda essa confiança em mim. Em algum momento, com toda certeza, um de nós vai acabar se queimando se mexer com fogo.

Então, depois de tanto quebrar a cara, eu tinha definitivamente resolvido me bastar. Já havia passado da fase de me distribuir por aí, de me aventurar, de deixar meu coração nas mãos de quem só queria brincar com ele. Tinha acabado de tirar todos os curativos, e descoberto um jeito descolado de cobrir as cicatrizes com tatuagens de sorriso.

Chega uma certa altura da vida, amigo, que você acaba se tornando cético demais pra conseguir acreditar nas pessoas. A verdade é que você já fica só esperando aquele momento que as mascaras vão cair, que a merda vai feder, que, sabe, suas lágrimas vão começar a rolar.

Não sei se como eu você também já se sentiu incapaz de amar alguém, depois que um grande amor acabou. É que a gente sempre acha e age como se fosse o primeiro, e o último. Mas, me diga, você também já sentiu vazio, cru, oco, com aquele nó na garganta, como se faltasse uma parte essencial?

Aqueles nós difíceis de desatar. Presos, amarrados, cegos. Aqueles que moram na garganta, nas músicas tristes, nas noites de sábado, domingos e feriados. Aqueles que moram nos filmes românticos e nos potes de sorvete. Aqueles que só saem no choro.

É.

Pior que não conseguir acreditar nas pessoas, é querer acreditar nelas. Porque sempre vai ter um filho da puta que vai acabar fudendo tudo. Aquele que você resolve dar um, dois, todos os votos de confiança. Que vai sorrir um riso intenso pra você, mas lá no fundo, só querer roubar teu coração pra jogar feito bola.

Sinceramente? Acho que sou infantil ou burro demais, porque até hoje não consegui entender o que alguém ganha, fazendo o outro sofrer. Cara, me explica que tipo de humor negro, que sadomasoquismo, que, nossa. Como alguém consegue ser frio ao ponto de lidar com os sentimentos de outra pessoa, fingindo que aquilo é nada, ou simplesmente menosprezando ao ponto de ignorar, passar por cima?

Uma das batalhas mais difíceis que travo todos os dias comigo mesmo, é pra tentar acreditar nas pessoas. Pra acreditar que, sabe, ainda existe alguém que valha a pena. Alguém que queira ficar, que não vá desaparecer do dia pra noite como todas as outras tantas pessoas que já me deixaram.

Amigo, você sabe o peso da tua felicidade? Tu entende que a gente luta todos os dias pra alcançar uma coisa que nem de longe sabe o que é, pra, do nada, como quem não quer nada, vir alguém e acabar com tudo?

Respira.

O tempo que você leva no chão tentando assimilar tudo que aconteceu depois de uma queda, é decisivo pra suas próximas ações depois que você conseguir se levantar. E é sempre quando teu primeiro pé ta firme, e você já está disposto a firmar o outro, que as rasteiras vem.

Todos os dias peço a Deus que ele coloque no meu caminho, pessoas que torçam pela minha felicidade. Porque não adianta estar com alguém que se candidata insistentemente a enxugar tuas lágrimas. É muito melhor ser de alguém que torça inquestionavelmente pelas tuas vitórias.

Depois de toda essa ruma de palavras trocadas, quero deixar claro uma coisa entre nós: eu realmente tento confiar em você. E se fosse você, também não teria lá todo esse medo de confiar em mim. Em algum momento, com toda certeza, um de nós vai acabar se queimando se mexer com fogo. Mas quando se tem um apoio, alguém que suporte a barra contigo, nem as queimaduras doem tanto.

— Matheus Rocha